Panorama Rap Sergipe – Tem De Um Tudo!

Panorama Rap Sergipe, foi uma necessidade surgida diante da quantidade e da qualidade e principalmente da diversidade que nos chega esse ano!

Mangue Sergipano 2
Panorama Rap Sergipe

Para nós é sempre importante notar e exaltar as diferenças como diferenças e sobretudo em termos musicais, nos seduz sempre a riqueza. Algo evidente aos observadores mais atentos na atual cena rap de Sergipe. O menor estado da federação prova que tamanho não é documento e vem fazendo brotar diversos nomes e propostas de sons diversos. São artistas solo ou grupos que oferecem-nos um retrato bastante forte não só do rap da região, como da própria riqueza cultural do estado. Seja em termos musicais, seja em termos temáticos ou ainda em sonoridades e experimentações sui generis, os sergipanos tem se feito representar bem e precisam urgentemente ser conhecidos em escala nacional. 

Engraçado notar que o Oganpazan começou essa trilha do descobrimento como a própria linha verde, primeiro chegando em Estância e descobrindo o Oxeniggas, banca forte dessa cidade. Para só depois adentramos a capital e encontramos outros nomes e sons presentes nesse panorama.  

Iniciamos então aqui, um pequeno panorama que dá conta de algumas dessas propostas que nos chegaram e dominaram nossa playlist. São formatos de lançamento diversos, contando com discos, ep’s, singles, cyphers e videoclipes de artistas diversos. O objeivo pretende traçar um breve, inquietante e forte painel, dando conta o suficiente para mexer um pouquinho com o público local e dar a conhecer ao Brasil o excelente rap feito em Sergipe. 

Abrimos os trabalhos com ele que é o grande responsável pela ideia de formar esse panorama, Bidu, artista que lançou esse disco-manifesto, o qual não sai da nossa playlist desde então. As correrias de jornalista amador – aquele que ama, mas não vive de luz – impediu-nos de fazer uma resenha que certamente esse disco merece. E aos poucos outros trabalhos da cena sergipana foram se acumulando, o que nos deu a ideia deste panorama.

O fato principal que precisamos destacar com muita enfase é o caráter inovador e re-significante que DMPM DMPM Vol. 1 O Início das Lendas apresenta. Uma parceria entre o produtor Douglas de Paula e Bidu, um lançamento do selo Mangue. A primeira re-significação vem exatamente do resgate deste termo e da importância que ele teve. O Mangue Beat foi o último grande movimento musical que o Brasil viu surgir. Nos presenteou com grandes bandas sendo responsável por um certo deslocamento do eixo cultural para Recife, assim como criou as condições de possibilidade pra que a cultura nordestina começasse a ser vista com outros olhos. 

E nesse sentido, o inicio das lendas é também continuação, é o primeiro disco do Bidu dando prosseguimento, a essa inspiração criada pelos mangueboys, e que foi vivida pelo mesmo de modo singular. O produtor Douglas de Paula é o responsável pela criação de uma diversidade rítmica impressionante, que passa pela utilização de samples da Timbalada, do funk carioca, utilizando-se de experimentações com a música eletrônica em estilos como o House e o Drum’n bass, pra ficar apenas em alguns exemplos. A lírica de Bidu apresentam-nos um gama impressionante de temas que vão do surf ás guerras que nossas favelas vivem. Abordando o cotidiano urbano, mas também sonhos, ecologia, visões misticas. Passeia por lugares encantados como: Itacaré, Puerto Escondido, Praia do Forte, sem sair do Bairro Industrial, zona norte de Aracaju. Uma geografia mental desterritorializada, Bidu atualmente mora em Porto Alegre. Mas se engana quem pensa que sua poesia esta presa a territórios. Construindo um singular universo poético, em algum sentido surrealista em suas imagens e esteticamente buscando no Mangue um resgate de sua infância. 

Do Mangue pro mundo do Mundo pro mangue, segue a velha-nova ideia do mestre Chico Science, porém Bidu atualiza a parabólica fincada no mangue, por uma rede de conexões wifi através das raízes pivotantes do Mangue, rumo ao cosmos.

De forma resumida gostaríamos de chamar atenção ao resgate da cultura popular já presente na introdução com a fala de Dona Maria Nadir da Mussuca, uma guardiã anciã do Samba de Pareia na cidade de Laranjeiras. Parte da proposta desse novo Mangue Beat from Sergipe é continuar na missão de valorizar a cultura popular, inserindo-a num contexto universal. Mesclando propostas que transcendem o rap, mas que de algum modo esta lá na base do hip hop, na medida em que o 5º elemento é justamente a produção de conhecimento e a consequente auto valorização.

Não vamos destacar um ou outra música, pois é um disco conceitual e o destaque de uma peça nesse quebra cabeça de doido, faria-nos perder o retrato complexo e multi referencial que o disco produz. Façam um favor às vossas subjetividades e coloca esse disquinho pra rolar, vai s@us pextes. 

MKM ou simplesmente Mukamo começa 2017 nervoso e com a lirica em alta, chegando nesse lyric vídeo caprichado, soltando os bichos que corroem sua mente. Se inserindo no Rap Game com criticas pertinentes e com uma qualidade de flow e ideias que assusta quem não conhece sua caminhada. O fato é que Renato Mkm é já o que poderíamos chamar de veterano da cena, tendo feito parte do lendário grupo de rap underground Alquimia Solar. Grupo que contava com Saulo Darthayan, Avicena e Pedro Guaraná, e que atualmente esta em stand by enquanto seus integrantes lançam trabalhos solos. Tipo um Gremlin molhado do rap!

Com produção assinada pela excelência da Alive Beats e Sidbeats, o mano lançou Ground and Pound como falamos acima, nervoso. A música versa criticamente sobre o rap game, inserindo MKM no jogo, mas em seus próprios termos. Cheio de referências interessantes e diversificadas, com forte identidade firmada ao longo de sua caminhada. Contrapondo a mera mercantilização da arte ao comércio necessário para a sobrevivência do artista. Mukamo utiliza-se de braggadocios para criticar os “produtos” artificiais que invadem a cena com muita pose e pouco conteúdo verdadeiro.

Bagunçando nessas ideias de quem quer transformar a cena do rap Br numa mera cópia – mal feita – da cena americana, o mano utiliza-se de muitas palavras em inglês. Colocando-as em punchlines nervosas assim como nomeando a track. Uma chegada muito bem vinda pra ajudar-nos a pensar os limites da industria cultural, assim como nossa própria identidade.

Além disso o Mano tem tocado um projeto paralelo junto a carreira solo: o MD (Mukamo – Darthayan), que recentemente dividiu palco com Emicida e fez a abertura do lançamento de Sagaz das Atalaias do seu Ep Arapuca (2016). O ano de 2017 promete ser de muito trabalho para o mc, que já anuncia dois Ep’s pro segundo semestre, um solo e outro com o projeto acima citado. Fiquem de olho.

Representante da vertente mais underground, SEPTEM já tinha nos chamado atenção quando do lançamento de sua primeira EP. A sujeira poética e as produções low-fi são até aqui sua marca registrada, porém nos apresentando singularidades próprias de seu estilo artístico que aos poucos vem se desenhando. Muitas vezes fazendo o caminho inverso, como uma especie de anti-alquimista, daqueles que transformam Ouro em metal comum.

Um operação ousada de não se adequar as regras comuns e a visão geral de como produzir, rimar, entender arte. SEPTEM se filia assim, a outros rappers Brasil afora que comungam desses mesmos princípios, como o carioca Lessa Gustavo, por exemplo. Tipo os Muleques do Caixa Baixa (Cidade de Deus) da cena do rap Br, prenhes de ataques soviéticos ao mainstream e a sua arte enlatada e pronta pro consumo.

Introspecção (2017) é o segundo de uma série de 7 ep’s prometidos para o ano de 2017 e traz mais ou menos as mesmas características da primeira produção.  Com todos beats tortos produzidos pelo próprio, criticas insanas, a sua poética mescla visões surreais da realidade que nos circunda tendo um fio condutor que poderia ser ilustrado pela colagem de um doidinho falando de si mesmo. Escutem e tirem suas próprias conclusões. 

Cria do bairro do Eduardo Gomes, Junior, se transformou através do rap em Mxntxr (Mentor) se unindo a banca da Alive Records e vem como um dos cabeças caras dessa crew. O mano lançou ano passado seu primeiro disco América Latina, alcançando uma certa projeção nacional, tendo seu trabalho vinculado nos principais portais do rap Br. O disco versa em geral sobre superação, vitória e lealdade no jogo, fazendo ao seu modo uma circunscrição do ambiente onde o mano se situa e para onde quer se expandir. Encontramos também critica social e love songs, enfim, um disco plural em suas temáticas. Contando com participações pesadas de Avicena, Rakavi e Pizzol, todas as produções ficaram por conta da Alive Beats, que proporcionam aos ouvintes Traps e boombaps pesados.

Consumo é uma produção de GHXST e um videoclipe que dá continuidade a corrida de Mxntxr, todo filmado num plano fechado, de certo modo simples. Carrega-nos mais no sentido de perceber a mensagem do que propriamente se propõem a ilustrar a letra com alguma representação. Utilizando alguns efeitos sobrepondo formas geométricas, cores e luzes, a música é uma reflexão sobre os vários sentidos da palavra consumo. Consumição, consumação, consumo, gasto de valores e de cifrões. Vale muito a pena, dá o play!

Apesar de já ter tomado conhecimento de nomes de minas do rap sergipano, ainda não tinha tomado contato com trabalhos dos grupos locais. E não poderia ter uma melhor apresentação do que nessa cypher pesadíssima, reunindo algumas minas de alguns grupos aracajuanos e uma poetisa, mulheres do cangaço. Na escalada atual da luta por maior visibilidade por parte das mulheres no rap, é preciso dizer que Conto do Vigário chega com a força de nada menos que um hino. O peso das fortes ideias fica por conta de Clara de Noronha e Líria Regina (Guerrilheiras), Yala Souza (Relato Verdadeiro), Ariane Passos (Flor Marias) e pela poetisa Anne Souza. Elas por elas, a cypher tem em sua feitura apenas mulheres com a produção visual ficando por conta de Bruna Noveli, Cend Luara e Júlia Tavares. A intervenção artística sob a responsa de Ayodele Freire.

Essa coletividade feminina aprontaram em Conto do Vigário um feito que só quem conhece de fato do riscado é capaz. Ao criticar a mercantilização da presença feminina em eventos que as tomam como isca, elas partem com sua critica, de um contexto particular e vão até as bases do patriarcado e do capitalismo. Expandindo a critica até as fundações do capitalismo e do patriarcado conseguem demonstrar com clareza como a partir dessas bases nojentas, diversas violências encontram “fundamento”. Em rimas muito fortes, numa base Trap elas não perdem de vista questões de saúde pública como o aborto, de igualdade no mercado de trabalho, da desumana violência do estupro. A falta de direito civis ainda em 2017, uma vergonha que é aqui desnudada com a força e a beleza do corpo feminino.

Em tempos onde vemos pipocar muitas cypher’s com mulheres do Brasil inteiro, essa junção acima citada chega com a que pra nós é a melhor produção de 2017 até aqui. Ficamos agora no aguardo de novos trabalhos dessas e de outras mulheres sergipanas, paraibanas, baianas, paulistas, pois a meta é tomar a porra toda. 

Como muitos garotos, JB começou ouvindo rap, gostando, mas entendendo o mesmo apenas como mais um gênero musical. Mas ao contrário de muitos, o mano passou pela pedagoginga própria do hip hop, e aos poucos foi entendendo que toda um cultura estava por trás daquela música. De 2009 até 2016, o aprendizado do mc, encontrou primeiro a dança, e como b.boy alguns ensinamentos foram se firmando. Depois a adrenalina das rodas de freestyle o levaram ao auto-conhecimento poético e logo o fechamento com outros manos o levaram a formar o grupo Avalanche Sonora que durou até o ano passado. Após toda essa caminhada o mano JB chega agora solo, tendo acumulado os aprendizados e conhecimentos dessa trajetória.

Insonidade é single potente e que marca a estreia solo do mc, lançado no formato de lyric video, onde JB nos entrega uma lírica muito rica, um flow claro e isso tudo embrulhado num boombap old school. A soma da insanidade e da insonia, revelam ao contrário do que se esperaria, uma mente capaz de transformar o caos e a dor em arte. O beat produção da Kammycaze Beats vai dando a trilha rítmica por onde JB aborda um sem número de temas, todos interligados.

Numa especie de MMA poético o mano vai rimando desde a construção ética individual até o caos social onde o mesmo esta inserido, mas não para por aí e vai até a cena do rap. Se auto-construindo poeticamente como mais um lutador do que um jogador da cena. Tudo isso numa chave que nos apresenta um mix de analise e critica social e alguns braggadocios. Se inscrevam no canal do mano no youtube e acompanhe as próximas cenas desse nome novo e importante da cena sergipana.

 

 

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