Os pianistas do Tietê

Em meio à correria do Terminal Rodoviário do Tietê o som de um piano oferece momentos de tranquilidade e boa música, eram os pianistas do Tietê.

Caso você seja acometido por uma vontade febril de ouvir um concerto de piano ao vivo que tipo de lugar viria de imediato à sua mente? Sem dúvida uma sala de teatro ou uma casa de show. Se você mora em Salvador certamente surgiria em sua mente a imagem da Sala Principal do Teatro Castro Alves.

Agora façamos essa pequena experiência só que ao contrário. Se alguém lhe perguntasse qual seria o último lugar do mundo onde você poderia ouvir um pianista tocando ao vivo, que reposta você daria? Certamente alguém diria: numa rodoviária. Há lugares mais inesperados como Marte, por exemplo, mas consideremos para esse nosso exercício pessoas comuns, que não tenham a imaginação tão fértil. Jamais esperaria encontrar alguém tocando um piano numa rodoviária. Por isso mesmo fiquei surpreso ao desembarcar no Terminal Rodoviário do Tietê em São Paulo e dar de cara com duas figuras se revesando ao piano. Desci do ônibus louco pra tomar um café!

Deixei o local de desembarque à procura de uma lanchonete e ao chegar no primeiro piso da rodoviária ouvi um som se destacando do murmurinho da multidão. Tive de imediato a impressão de não se tratar de uma reprodução saindo dos alto falantes espalhados pelo terminal. Era um som muito expressivo e forte de um piano se espalhando por todo canto.

Esqueci a vontade de tomar café por um momento e segui o som. Sou novo nesse negócio de religião, no dia 31 de maio completarei três anos como devoto fanático de São Victor do Horto, mas hoje acredito fielmente em predestinação, destino e que há uma força em forma de par de luvas guiando meus passos. São Victor às vezes opera de maneira misteriosa! E foi assim, misteriosamente que as luvas de São Victor me empurraram na direção daquele som que vejam só, me levou até uma cafeteria! Além de tomar um café delicioso acompanhado de uns pães de queijo feitos na hora, ainda pude ouvir dois bons pianistas fazendo um sonzinho ao vivo. Ah São Victor, só você salva! Eu só queria um lugar pra tomar café da manhã e você além de me dar café e pão de queijo ainda por cima arranja dois músicos para tocar enquanto isso!

Quando cheguei à cafeteria estava ao piano um homem negro na casa dos quarenta anos tocando uns stands de jazz. Imaginem só, eram oito e meia da manhã e o sujeito ali, tocando jazz em uma rodoviária. Essa cena não passava despercebida pelas pessoas que transitavam por ali. Pais paravam com seus filhos para ouvir, senhoras, jovens, enfim, a música daquele piano realmente conseguia cativar as pessoas, tirá-las por alguns momentos do enfado da espera, do stress de toda aquela agitação da rodoviária.

Havia uma mesa de frente para o piano e nela um vovozinho ouvia a música atentamente. Aplaudia, elogiava o pianista, fazia pedidos. Fui ao balcão e peguei outra xícara de café e quando eu menos esperava olha lá o mesmo vovozinho só que agora sentado ao piano tocando chorinhos! Ouvi as funcionárias da cafeteria dizendo a uma senhora que o vovozinho ia sempre ali tocar. Pelo que entendi ele nunca foi bom em damas e não gostava do ambiente da praça de frente ao prédio onde morava. Bom, nada melhor para um músico com tempo livre do que ter um lugar onde tocar e um público sempre interessado em ouvi-lo.

O homem que tocava os jazz quando cheguei era contratado da cafeteria. Tive vontade de conversar com ele, mas a timidez só me deixa em paz quando estou embriagado. Enquanto o vovozinho tocava fiquei pensando na rotina do pianista dos jazz. Imaginei que ele tirava alguns dias da semana para tocar ali. Seria uma forma de levantar uma grana extra, além disso lhe permitiria ensaiar as músicas de seu repertório para tocar nas casas noturnas. Minhas divagações foram interrompidas pelo fim da apresentação do sô zé. Ele teve que deixar o piano para que o músico contratado tivesse que lidar novamente com os ossos do ofício.

Retornei à mesa onde estava. Notei um rapaz na faixa dos vinte e poucos anos (se muito), em pé fitando com interesse o pianista. Ele encarava de forma tão intensa que o pianista percebeu e de certa forma captou a mensagem. Terminou a música que tocava, levantou-se e foi até o rapaz. Conversaram rapidamente e não demorou para o rapaz botar sua mochila no chão e dar sua canja.

O pianista da casa apresentou o jovem ao seu público. Estudante francês, esperava o horário de embarque para Campinas. Participaria de um congresso na UNICAMP na próxima semana. O francesinho tocou uma peça erudita que não consegui identificar. Fiz um vídeo dele tocando, postei no final do texto. Caso alguém conheça a peça tocada por ele, por favor coloque a referência nos comentários.

Música realmente torna qualquer experiência agradável né?! Nunca ficar esperando buzão foi tão bom, e olha que tenho vasta experiência em ficar esperando buzão, seja em rodoviária, estrada ou ponto de ônibus. Como diria Einstein, quatro minutos esperando ônibus sem ouvir música parecem quatro horas, quatro horas esperando ônibus ouvindo música parecem quatro minutos. Quando estiverem andando por aí estejam sempre atentos, pode ser que a música surja de onde menos se espera! 

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