Grandes Singles do Rap Baiano #3

Selecionamos mais 5 singles que chegaram ou no fim do ano passado ou no comecinho do ano, estarrando tudo na cena da Bahia pro Brasil. Nois por Nois, Diego 157 & Cintia Savoli, Shoes Mc, Dark e Malaô.

O Rap da Bahia vai muito bem obrigado. O ano já começou fervendo com dezenas de shows por semana, muitos discos já anunciados e muitos lançamentos de singles e cypher’s que seguem mantendo e aumentando a qualidade. Ao que nos parece duas práticas se fazem necessárias: a auto valorização como chave para o reconhecimento próprio. E a busca de estratégias de fortalecimento do nosso mercado para que essa cena que só cresce de forma vertiginosa não se entrave. Bobagens, falsos problemas e autocensura dentro de uma cultura que busca a união, não ajuda em nada. É necessária a boa e velha busca pela união dos 4 elementos (Mc, Dj, Break, Grafitti)  que encontra no quinto (Produção de Conhecimento) a possibilidade de estabelecer um pensamento e uma práxis que busque a revolução individual e coletiva. E quem sabe num estágio de maior desenvolvimento a revolução das estruturas sociais que oprimem a grande maioria da população e as diferenças que a constituem.

No estágio atual (nacional e local) o que podemos perceber é uma produção em massa de diversas formas de resistência aos sistemas de controle. Essa resistência vai da denuncia das politicas genocidas, de elogio e valorização do gueto até o diagnóstico dos mais diversos problemas que nos cercam. Selecionamos desta vez 5 singles lançados que transitam por essas coordenadas com uma potência e uma musicalidade nada óbvia. Mostrando que além das ideias estarem afiadas como a navalha na qual todos eles andam com sabedoria, os beats e sua relação com as rimas estão encontrando uma cara própria com alta qualidade o que de uma forma dialética só faz engrandecer o rap nacional.

 

Nois Por Nois – Sem Pódio 2016

Aproveitando a deixa, a música do grupo Nois por Nois formado por Sets e Saqk é uma aula de contraponto entre as ideias e a musicalidade que expressam.  Os manos não veem bicho com nada, da mesma forma que os nossos irmãos que tão em lutas inglórias também não veem. Primeiro contraponto. Por outro lado, o sampler utilizado faz um excelente ponto de oposição com a letra que é colocada sobre.  A imaginação trabalhando com força junto com o verdadeiro diagnóstico da nossa realidade. Os boys pedindo mais amor? Tá louco tio, isso é certamente uma palavra de ordem redundante que de fato não resolvem os nossos problemas. Que antes seria o de colocar justiça social como a pauta do dia para que pudéssemos ver surgir vários campeões olímpicos de tiro esportivo e dos 50, 100 ou 200 metros rasos, ou talvez na corrida com obstáculos.

Em tempos de Olimpiadas em nosso país essa analogia não poderia vir em melhor hora, porque todos nós conseguimos ver, ou pelo menos deveríamos ter essa percepção de que temos vários ginastas e atletas em potencial. Mas que, no entanto embarcam naquelas propostas que lhe são mais próximas. Acreditam que a única forma de se autovalorizarem é transmutando suas potencialidades que os fariam capazes de serem executivos de empresas, esportistas, médicos, em corredores da policia, administradores de cadernos de venda nas bocas e etc. E isso os manos do Nois por Nois conseguem deixar muito claro em sua letra e ao mesmo tempo satirizar com a base alegrinha que mantém  o contraponto com a gravação de áudios de quem já esta dominado por uma cena triste e numa carreira que não traz medalhas, nem recordes, nem aposentadoria gloriosa. Revide e contraponto direto dos guetos de Salvador.

Diego 157 – Quilates feat Cintia Savoli

Esse produtor, beatmaker e rapper, aos poucos vem se tornando um dos maiores ourives da música rap no Brasil, e para quem quer estar por dentro do que de melhor tem rolado deve ter essa pedra preciosa na mira. Aqui é puro 18 quilates em tudo que mete a mão. Por que se tem uma coisa que é óbvia é que Diego 157 só tem produzido, composto e cantado o que de melhor é feito hoje no Brasil. Seja solo, seja com sua gangue F.M.E., ou ainda em participações com amigos. É um dos daqueles jogadores que ataca nas 11. Um puro valor que morde com gosto na busca de conquistar seu espaço mais que merecido. E mesmo que esse reconhecimento não tenha ainda surgido com o valor que ele merece, o negão segue criando com uma qualidade que faz com que seu brilho emane com a potência máxima de sua arte.

Verdadeiro em todo esplendor possível, conhecedor nato das rimas e da história do rap, segue transmutando dias ruins em raps que deixariam muitos nomes reconhecidos nas manhas. Ainda levaria as correntes como brinde (Kintê). Diego parece a cada dia mais exercitar a arte de transformar com uma força incrível problemas em arte responsável, sem entrar em joguinhos de barganhas pequenas. Pois sabemos e chega a ser obvio a dificuldade de manter independente e conseguir produzir nesta qualidade. Nesse single ele conta com a participação elegante e fortemente doce da Bruta Flor, Cintia Savoli, que deixa claro para quem tem ouvidos para ouvir, que eles são de verdade até no 1º de Abril e que a flor também exala cheiro de jasmiin. Parceria forte de dois grandes nomes e que nos mostra a evidência de que se serviu a introdução deste texto, o rap baiano é um dos melhores do Brasil.

Um dos melhores, pois  podemos facilmente perceber como cantado aqui, que é fruto de uma verdade incorruptível, afinal para muitos  e principalmente nestes dois casos, não se tem muito o que perder. Pois perder-se aqui seria auto traição, algo que pelo que demonstram em suas caminhadas seria o mesmo que a morte em vida, a perda de suas forças vitais. Sendo assim resta a batalha para levar essa originalidade e sua força a ofuscar a opacidade dos que acreditam poder realmente vencer através da falsidade. Pois que fiquem atentos, são trabalhos como esses que mostrarão quem é real e quem vai se dissipar no caminho.

Shoes Mc – Campo de Visão (Prod. Diego 157 & Chokko)

Chegando pesadaço com cojones e cheio de palavras que num flow ligeiro se encadeiam produzindo sentido, cheio de possibilidades de interpretações interessantes para um single que nos serve, sobretudo como um cartão de visitas. Abrindo nosso Campo de Visão para que visualizemos o que nos espera em suas próximas produções. Shoes Mc nos coloca alguns problemas de conduta como o alvo contra o qual o mano luta com uma percepção clara da forma de vida e da postura ética que lhe apraz. Com a violência de suas rimas a meta é o mundo e para abrir essa luta, ele escolhe bem para onde apontar sua mira. Tal e qual um sniper vai aos poucos acertando suas vitimas uma a uma, sem piedade alguma. Crueldade e sem compaixão com as drogas, contra a ejaculação precoce daqueles que colocam suas pretensões a frente do trabalho.

E nessa guerra de trincheiras que sua música evoca, o mano vai aos poucos minando esses monstros com granadas de poesia. Infiltrado atrás das linhas inimigas fica a espreita e no escuro novamente apurando suas visões. Podemos dizer que essa ética do guerreiro que encontra nas analogias evocadas através de imagens de guerra e combate encontra em seus dois momentos musicais o complemento perfeito. Pois a música esta dividida em duas partes totalmente diferentes uma da outra. Na primeira parte a base é construida com certa leveza no contraponto entre o conteúdo da letra e o samples todo feito com bateria e instrumentos orgânicos, flauta, guitarra, piano. No segundo momento o clima fica mais sombrio como que em contraponto a primeira parte, apenas com o beat pesadão e um piano sombrio tocado em notas espaçadas. Mas encontrando sua solução de continuidade, seja na qualidade da música seja na versatilidade que o rapper evoca numa música só.

Dark – Jogo Sujo

Os verdadeiros fazem de seus espíritos seus instrumentos de trabalho, mais do que isso, matéria prima, fonte daquilo que expressam. Neste sentido o Mc Dark vem aos poucos e em pouco tempo mostrando uma intensidade muito forte em suas músicas, e Jogo Sujo só faz essa impressão se tornar mais verdadeira. Se em Madrugada Fria e na afiada Lemos De Brito, suas rimas estavam mais preocupadas em descrever certos espaços, a biqueira e o cárcere, respectivamente. Numa perspectiva que não perdia de vista o cuidado em também deixar claro os pressupostos que levam muitos dos nossos periféricos a entrarem e se engajarem nestes locais. Fazendo assim uma cartografia que ia dos afectos  aos territórios sem perder de vista a produção ideológica dominante.

Em Jogo Sujo sua rima se torna mais complexa buscando esclarecer o jogo sujo que age em nossas periferias, como que dando um passo atrás as duas primeiras produções, para voltar ao começo. E para isso o mano abre mão de uma analise que se baseia em três formas distintas e complementares de ser: a incompreensão de nossas origens raciais, a busca por uma inserção a qualquer custo num modo de consumo capitalista e como resultado das duas primeiras formas a falta de humanidade que se instaura nas relações.

 E é no descortinar desse cenário que o rapper se coloca, numa jogo de relações entre o individual e o coletivo, numa perspectiva de conduta que encontrou no rap o local e as ideias necessárias para estar fora deste tipo de jogo. Dark deixa claro que seja através dos olhos como sua janela aberta para a alma, seja na negação de andar de grupo ou mesmo na escolha de abraçar o rap de protesto, é preciso estar muito atento à maldade que o sistema nos impõe. Ao nos fazer jogar esse jogo, sem questionar as regras e os resultados do mesmo, fazendo-nos ter como recompensa uma vida miserável, não apenas no sentido econômico, mas existencial. De produção ainda caseira, esse novo rapper baiano, vem se dividindo em produções solos e com o seu grupo Contenção 33 com uma qualidade imensa em sua poética.

 Malaô – Babilônia

Comecemos por perceber como a construção de um bom refrão pode tanto confundir como esclarecer. “Os fuzil quer cantar, os bico só quer matar, que se foda os inimigos, favela tem pra trocar.” Nunca é tarde para chamar a atenção de que é o receptor quem produz o sentido daquilo que escuta , lê, assiste, enfim do objeto percebido. E na escuta desta música do Malaô podemos entender esse favela tem pra trocar, se refere principalmente a potência do rap. Que espremido entre a violência do estado – os bico só que matar– e ás guerras de facções – os fuzil quer cantar – encontra na arte a potência para o revide a toda essa conjuntura social.

A contramão dessa história é a produção de poesias capazes de traçar uma linha fronteiriça que com a força das ideias e a capacidade de analise arrasta, ou antes, afastam essas duas paredes que espremem os moradores das periferias. Falta de educação e oportunidades, alienação parental, baixa qualidade de vida são apenas alguns dos problemas que assolam  àqueles que mesmo conscientes de seu lugar no mundo e buscando a paz como ponto de chegada, se veem presos em meio a guerra. Talvez seja essa uma das maiores qualidades que o rap carrega como sua própria substância formadora. Além das imensas qualidades e possibilidades de mistura a outras linguagens musicais, a capacidade poética de elaboração de problemas.

E nessa essência, se assim possamos chamar, o Malaô traça sua diferença problematizando o gueto com um fino encadeamento das ideias em seu flow. Uma repetição que não é vazia, já que encontra em cada mc, beatmaker, dj, novas singularidades extraídas dos mesmos problemas, e aqui se aplica tranquilamente, o clichê de cada cabeça é um mundo. Sim, no entanto, a conjugação destas diferentes formulações encontra-se em suas formas de expressar artisticamente a diferença ao abordar os problemas.

 

Vida longa ao rap Baiano!

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