Uma entrevista com o rapper baiano Victor Haggar

Rapper e beatmakerVictor Haggar com uma carreira já premiada, trabalho intenso e posições firmes, essas são algumas características de Victor Haggar. Seus beats fazem a cabeça de muitos e suas rimas vão abrindo com golpes certeiros de katana, uma consistente carreira no rap nacional. Depois de um excelente EP Neidanshu, lançado em 2011, Victor segue produzindo forte e trouxe à luz recentemente mais um single. Coração Nômade nos faz perceber como a qualidade de um trabalho que amadurece ao longo dos anos vai se elevando a patamares de produção com um nível muito alto. Sem abrir mão da mensagem de resistência, mas ativando um grau de literalidade muito bom, talvez o diferencial deste rapper oriundo da Capelinha de São Caetano em Salvador, seja trabalhar na fronteira. Entre o rap underground e a velha escola, rimando as injustiças e opressão do povo negro sem abrir mão de refletir sobre si mesmo, tentando encontrar o lugar onde o individual se conjuga e revoluciona no e com o coletivo.

Conheci Victor há mais de dez anos quando comercializava discos baixados na internet e recebi a estranha encomenda de dois pivetes para baixar beats. A principio eu não entendi muito bem, afinal, acreditava que os rimadores produziam com seus dj’s as bases em cima das quais colocariam suas rimas. Mas aos poucos fui descobrindo e me aprofundando nas últimas novidades do rap nacional e internacional de então, por indicação deles. De lá pra cá muita água rolou embaixo da ponte, de consumidor de beats ele passou a produzir os seus próprios e a vencer competições nacionais. Cresceu como homem e como artista e segue seu caminho, com a verdade de sua arte.

Leia a entrevista a seguir e saiba mais um pouco da trajetória e das novidades que Victor Haggar tem para nós:

Oganpazan – Victor, conte um pouco pra gente como você tomou contato com a música, o que você lembra de ter começado a curtir? E depois como o rap chegou pra você?

Victor Haggar – Bom, acho que foi bem cedo, aos nove/dez anos, ouvia muito a Jovem Pan, tenho um tio que curte muito música eletrônica, e outro que curtia muito Olodum, samba, reggae music, o rap só veio mais tarde aos 13 anos. Naquela época eu adorava desenhar e então conheci o grafitti, logo veio a febre do rap, Claudinho e Bochecha, MV Bill, Gabriel Pensador, Planet Hemp, foi a partir daí que eu comecei a fazer parte do hip-hop de imediato.

Ogpz – Quando você sentiu que deveria cantar rap também e como foi esse começo?

V. Haggar – Comecei nesse mesmo tempo a copiar as letras de rap no meu caderno, tinha várias do Gabriel  Pensador, eu via que aquilo ali fazia muito sentido pra mim! Naturalmente eu fui fazendo as minhas, sem pretensão mesmo, me juntava com os amigos da rua, tocava um violão e eu fazia umas rimas, era brincadeira de adolescente, tomava um vinho, a gente se reunia pra ouvir uns sons. E aí fui começando a ir para vários shows de rap que estavam acontecendo na cidade, fui conhecendo outros que nem eu, e aí não parei mais!

Ogpz – O que é música pra você? Qual o papel do rap? Ele tem uma função, ele deve se prender a alguma vertente?

V. Haggar – Música é tudo. Entreguei tudo que tenho pra música, mas não foi de uma hora pra outra. Eu resolvi me preparar pra fazer isso, mês após mês, ano após ano e não me arrependo, apesar de todas as dificuldades. Eu sei que esse aqui é meu lugar, mesmo que futuramente eu vá por outros caminhos, mas mesmo assim será pra agregar mais valor a música que faço. O rap é algo muito individual e coletivo ao mesmo tempo. Se trata de um sentimento que muitos vão se identificar de forma igual, e muitos vão se identificar de forma peculiar, diferenciada, vai da interpretação de cada um. O rap é música e qual o papel da música? Entreter, conscientizar, nos despertar pra algo maior, nos fazer melhores. Ele vai atingir você em cheio, no ápice do que você tiver sentindo no momento. Música é livre, acho que é essencial manter as raízes, mas novos frutos devem brotar, rever possibilidades, parar de usar a preguiça ou o medo de arriscar como desculpa de que “tem que ser assim e pronto”. Mas isso se aplica a mim, vai de artista pra artista também, eu faço dessa forma.

Ogpz – Sabemos que você também é beatmaker – inclusive premiado – como foi esse aprendizado? Conte um pouco sobre essa outra vertente das suas criações e como isso interfere hoje no seu processo de criação.

V. Haggar – Seleção natural, tive que escolher. Ou eu ficava esperando alguém produzir pra mim ou eu metia as caras e ia aprender. Entrei na Eletrocooperativa aos vinte/vinte e um anos mais ou menos, permaneci lá uns cinco anos. Tomei curso de produção musical, me envolvi com rádio, criação de jingles, criação de roteiro e outras coisas. Inicialmente sem essa de querer vender beat pra ninguém. Tava na ânsia de lançar meu trabalho solo, afinal eu já tinha passado por muitos grupos e estava obstinado a fazer meu sonho acontecer. Lancei meu primeiro EP e segui produzindo. Participei de batalhas de beats, venci a última que ocorreu aqui em Salvador, na Semana Bahiana de Hip Hop em 2012, e venci recentemente o concurso de remix da música Se o Tempo Permitir do grupo Rafuagi, com a participação do Rapadura. Foram cento e vinte produtores de todo o Brasil e consegui me destacar em primeiro lugar.

Abri meu selo B3 (Bota a Base Beats) onde logo logo estarei com novidades nesse âmbito, então minha rotina é essa de pesquisar, produzir, compôr. Esse é o meu trabalho agora.

Ogpz – Quem são seus maiores mestres na música? E quem são seus maiores parceiros?

V. Haggar – Bob Marley, pra mim é o topo. Mas no rap sou muito fã do Nach, Soprano, Eminem, Black Alien, Marechal entre outros. Tem os que estão mais próximos, toda a trupe da Fraternidade Maus Elementos, tem o Jr. Nascimento que tá colando comigo numa parceria muito boa e que vai render muitos frutos bons. Tem O Jefferson Luís, Roy, Kiko Cerqueira, Roberto Cândido, que são amigos instrumentistas e professores, todos eles muito bons no que fazem, que sempre me dão um help quando necessito e estão sempre na disposição.

Ogpz – Conte um pouco pra gente quais são os corres que você está fazendo e quais são os próximos lançamentos?

V. Haggar – Atualmente estou focado na produção de beats tendo isso como meu trabalho prioritário. Estou refazendo o meu repertório, perdi muitos beats no começo do ano passado e estou refazendo muitos, melhorando, modificando e colocando músicas novas no repertório. Estou atualmente trabalhando num EP pra ser lançado dentro desse semestre ainda se Jah permitir. Estou focado em montar um show mais completo, me tornar mais amplo nesse sentido. Também estou caminhando pro lado do áudio visual da coisa, e teremos novidades nesse sentido também.

Ogpz – Você gosta de ler, Victor? Quais são as maiores influências extra musicais que você traz pra suas rimas?

V. Haggar – Quem me conhece sabe como sou fã de HQ’s, games, animes, filmes, séries e livros. Isso acaba influenciando diretamente na escolha de meus temas, na hora de minha composição. Às vezes vejo cada canção como um diretor de cinema vê seu filme ali, que é uma área que quero trabalhar também, é toda uma questão de interpretação, de criar cenas e ambientes na mente das pessoas.

Ogpz –  Como você vê o cenário do hip-hop hoje na Bahia e no Brasil? Quem mais você tem escutado?

V. Haggar – Rap BR, tem muita coisa boa rolando, só não vê quem não quer. Aí vai partir do que você quer ver. Tem gente trampando muito e tem gente fazendo do rap um parquinho. Rap não é piscina, rap é mar aberto. Eu foco nos que estão trabalhando, preciso dessa inspiração externa também, dessas referências. Rap BA, infelizmente as coisas não tem a velocidade que eu gostaria que tivesse. Ainda vejo muita coisa lançada “só pra ver no que vai dar”, feito nas coxas, empurrando goela abaixo, assim não dá né gente? E podem reparar, quem mais tá se destacando aqui são os que tomaram isso pra suas vidas e estão empenhados em fazer algo bom e estão estudando formas de fazer seu trabalho ser duradouro. O “faça você mesmo” é uma realidade do que acontece aqui. Eu tenho focado neles, e eles retribuem a mim respeito, admiração e inspiração até, e isso é recíproco. O meu papel é dar meu melhor no que faço, e gosto de trabalhar com gente que pensa dessa mesma forma. No mais, estamos amadurecendo sim e já tem coisa bem sólida. Tem uma galera empenhada e isso me alegra e inspira bastante, mas precisamos de mais.

Ogpz –  Se não fizemos alguma pergunta que você gostaria de ter respondido, fique a vontade para fazer e responder?

V. Haggar – Acho que todas as perguntas foram ótimas. Quero mandar um salve a toda a rapazeada que gosta do bom rap e que contribui direta ou indiretamente na evolução hip-hop de nosso estado e consequente de nosso país. Principalmente a Danilo do Oganpazan que tirava suas tarde pra baixar instrumental pra mim quando a internet ainda era discada! [Risos]
Tamo junto!

***

Escutem o single Coração Nômade aqui embaixo e aguardem as próximas novidades que Victor Haggar está nos preparando.

Articles You Might Like

Share This Article