Charles Bradley está de volta em Changes!

Charles BradleyTrês anos após Victm of Love, Charles Bradley prepara-se para o lançamento de Changes, terceiro álbum de sua carreira.

Changes está finalizado, pronto para ganhar a web e nossos ouvidos! Apesar da data, o lançamento do terceiro álbum de estúdio de Charles Bradley não é mentira. Há três anos sem gravar, o homem que passou a maior parte de sua vida ganhando o pão de cada dia sendo outra pessoa, dá mais um passo em direção da consolidação de sua carreira sendo ele mesmo.

Pra quem não sabe, Charles Bradley passou décadas se apresentando como cover do Godfather of Soul, Mr. Dynamite, Jaaaaammesss Browwwnnnn!! (Assista Soul of Américadocumentário sobre a vida de Bradley e conheça essa peculiaridade de sua carreira). Ser ele mesmo significa assumir o cetro de Padrinho do Soul do século XXI.

Charles Bradley tinha 63 anos quando lançou No Time For Dreaming em 2011. Aos olhos da maioria das pessoas esse é um fato triste, já para os amantes da música, motivo de comemoração. Por alto, dando uma de Data Folha, diria que 90% dos grandes nomes da música que começaram suas carreiras na juventude e ainda estão na ativa, mantêm há décadas carreiras inexpressivas. Bradley deu início à sua carreira no auge da sua maturidade musical, experiente o suficiente para fazer a coisa do modo certo. Além disso, toda essa bagagem impõe respeito, o que levou aos mais jovens a militar em favor de sua carreira. Notem, a banda de Bradley é formada por músicos jovens, certamente honrados por compartilhar estúdios e palcos com aquele que consideram um mestre do soul, do funk e do rithym and blues. 

Por estes motivos Charles Bradley lança o terceiro álbum mantendo o alto nível de qualidade daqueles que o antecederam. Quando No Time For Dreaming foi lançado o estrondo causado foi enorme. Há tempos não se via algo tão intenso, combinando os ingredientes do funk e do soul na medida certa. Isso se mantêm em Changes. Enquanto Victim of Love (2013) focou o soul, canções mais lentas, carregadas de arranjos que privilegiam a intensidade das notas longas dos naipes de metal, dos andamentos cadênciados, Changes, retoma os grooves de pegada forte. As músicas mais lentas apresentam dinâmica swingada, sente-se a vibração a cada compasso, o ritmo do amor neste álbum se desenvolve em performances sensuais, bem ao modo James Brown.

Este é um ponto importante do álbum. O modo como Charles Bradley interpreta suas músicas em Changes lembra muito James Brown. A semelhança é tamanha que parece ter ocorrido uma absorção da personalidade daquele a quem Bradley encorporou durante décadas. Os gritos e as pausas bruscas, típicas do Padrinho do Soul, são usadas a todo momento por Bradley. Pergunto-me se isso foi intencional ou conseqüência natural de anos imitando Brown. Caso a resposta a esta questão seja que houve intencionalidade, gostaria de saber qual foi o propósito de laçar mão desse recurso. Ao que me parece, Bradley sai perdendo ao expressar de modo tão latente a influência, caso assim possamos chamar, de James Brown sobre suas interpretações em Changes. 

Podemos considerar que o disco incorpora uma sonoridade contemporânea, mais afastada daquela que marcou o auge do soul, funk e r&b das décadas de 60 e 70 do século passado. Essa mudança certamente pode ser atribuída aos companheiros de Bradley da Street Band Menahan, que fazem o contraponto entre modernidade e contemporaneidade da black music estadunidense. As letras possuem um toque mais otimista, celebram a redenção pelo amor, porém, outras trazem críticas devastadoras. Nesse sentido Changes possui caráter perturbador, as letras revelam tensões e temáticas mais intimistas referentes ao estado de espírito de Bradley.

No vídeo abaixo podemos ver duas apresentações feitas pelo cantor na França. O groove dessa faixa repousa sobre o tempo forte da música. Seu teor contrasta com os trêmulos extraídos das guitarras, que unidos aos ataques da seção de metais, produzem o efeito necessário para os fraseados intensos cantados por Bradley.

O destaque de Changes é a faixa que dá nome ao álbum. Charles Bradley homenagea o Black Sabbath, fazendo um cover da música composta por Ozzy para o álbum Vol. 4 lançado em 1972. Ouça a versão original de Changes clicando aqui. A escolha de Changes para compor a tracklist do álbum não é gratuita, está diretamente ligada ao estado de espírito de Bradley, revelado a cada nota do álbum. Quem conhece a música do Black Sabbath sabe muito bem que ela fala a respeito de mudanças inesperadas. A relação entre os acontecimentos presentes e as reminiscencias do passado que nos atormentam, ou nesse caso, atormentam o próprio Bradley. Ele canta sobre suas emoções mais profundas, despertadas, no caso de Bradley, a partir da nova vida que se iniciou quando lançou No Time For Dreaming em 2011. Contudo ele o faz sem invocar referências nostálgicas.

Charles Bradley transmite através da sua interpretação, uma experiencia completamente diferente daquela dada por Ozzy na versão original. Ozzy canta sob uma atmosfera contemplativa, construída pelo acompanhamento de acordes dedilhados ao piano e sintetizadores sustentando notas simultaneamente ao longo dos compassos. Há o efeito sobre a voz de Ozzy que a torna mais fantasmagórica.

Charles Bradley imprime seu estilo interpretativo sob a melodia, soando de modo dramático. O arranjo foi elaborado para dar à música a intensidade necessária, garantir a dosagem certa de swing para que a música não soe monótona. O momento reflexivo de Bradley ligado à música, provavelmente difere do vivido por Ozzy ao gravar a música em 1972. Claro há toda a carga cultural e pessoal de um e de outro que leva a termos versões bem diferentes da mesma música. Cada nova iteração do “passando por mudanças” testemunho, uma ressonância órtese. Está posto que o soul faz jus ao nome que tem, pois, Bradley mostra em sua versão para Changes que este gênero musical pode ser re-significado e ainda assim transcender musicalmente tempo e gênero musical.

Bradley inicia o álbum fazendo uma saudação em tom cerimonial, indicando reverência ao momento que se inicia. Esse gesto inicial ganha em sacralidade ao ouvirmos Charles Bradley declamar um verso de God Bless America. Abençoados os caminhos, inicia-se o álbum. Good To Be Back Home expressa o sentimento de retorno à terra natal, após longo período fora. Esse sentimento é intenso faz com que ele se sinta bem, mesmo sendo o retorno ao lugar em que viveu toda uma vida de dificuldades.

Quem esteve ou está por longo tempo afastado de sua terra natal sabe o que é esse sentimento. Por mais sofrimento que se tenha vivido na terra natal, há algo inexplicável que nos atraí e faz sentido apenas para quem lá nasceu. Algo que nos define. Desse ponto de vista podemos entender o entusiasmo de Charles Bradley ao retornar a sua casa. Esse período longe de sua terra natal se deve aos períodos de turnê que Bradley e sua equipe fizeram mundo afora.

Change (2016), Charles Bradley

 Nota: logo3_notalogo3_notalogo3_notalogo3_notalogo3_nota_pb

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