Bohemian Rhapsody completa 40 anos

Bohemian Rhapsody completa 40 anosComemoramos os 40 anos de Bohemian Rhapsody, um dos maiores clássicos do Queen.

Existem canções que marcam nossas vidas de maneira irreversível. A minha foi especialmente marcada pelo gosto musical de uma tia que cuidava de mim lá pela década de 80.

De tudo que ela gostava de ouvir o que mais me impactou foi sem dúvida o Queen. O curioso é que, como na época eu tinha pouquíssimo discernimento sobre o que passava pelos meus ouvidos, minha simpatia pela banda ficou durante muito tempo num nível subterrâneo, misturada com outras tantas memórias afetivas.

O tempo passou e os anos 90 foram fundamentais para a consolidação de um gosto musical mais sólido (ainda que bastante imaturo). O Queen, porém, não fazia parte do meu repertório na época, até que um dia eu assisti Quanto Mais Idiota Melhor. Quem conhece o filme já deve ter sacado onde estou querendo chegar. Na clássica sequência de abertura, Wayne (interpretado por Mike Myers) está num carro com sua entourage e para animar o clima coloca pra tocar Bohemian Rhapsody do Queen.

Ouvir a música naquele contexto foi como se um raio me atingisse em cheio, trazendo de volta memórias que eu nem sabia que possuía. Claro que no momento eu não tinha certeza de onde eu conhecia aquilo, quem me disse do que se tratava foi um primo mais velho. Não preciso nem dizer que assisti Quanto Mais Idiota Melhor zilhões de vezes, muito por conta dessa cena.

Depois disso voltei na casa daquela tia e fui fuçar seus vinis em busca de álbuns do Queen. Não encontrei nada deles além de uma coletânea de grandes sucessos da banda e, claro, lá estava Bohemian Rhapsody. Levei o disco para casa e a partir daí me tornei fã de carteirinha do quarteto britânico. Conheci cada centímetro empoeirado daquele vinil e se escutá-lo hoje de novo é bem capaz de eu lembrar onde ficam todos os arranhões da bolacha.

No último dia 31 de outubro Bohemian Rhapsody completou exatos 40 anos de idade. E nem a pau que eu vou deixar uma data dessas passar sem escrever algumas palavras (mesmo que tardias) sobre essa que já foi considerada uma das maiores músicas do rock de todos os tempos.

A canção pertence ao disco A Night at the Opera de 1975 e foi composta por Freddie Mercury que queria criar algo fora dos padrões do rock na época. Segundo se conta, a ideia surgiu para Mercury já na década de 60 e alguns trechos dela apareciam em músicas que ele tocava ao piano, mas que nunca chegaram a ser lançadas.

A primeira seção de gravação de Bohemian Rhapsody ocorreu em agosto de 1975 no Rockfield Studios. Desde o início Mercury comandou as gravações que ainda passou por mais três estúdios diferentes até ser finalizada. A complexidade estrutural da composição exigiu da banda um número de seções à qual eles não estavam habituados. Foram preciso três semanas para concluir a peça.

Até hoje Bohemian Rhapsody mantém o título de o single mais caro da história. Seu lançamento tomou o Reino Unido de assalto, atingindo rapidamente o primeiro lugar nas paradas e vendendo mais de um milhão de cópias no intervalo de um ano. Tudo isso pra uma música que foge quase que totalmente do padrão do que seria um produto comercialmente viável para a indústria fonográfica naquele momento.

São seis minutos e pouco divididos em seis partes distintas, passando por estilos variados como a balada, a ópera e o rock. A letra conta a história de um jovem encarando a realidade de ter assassinado uma pessoa e tendo que lidar com as consequências do seu ato. No início ele parece meio perdido, mas pouco depois confessa o crime pra sua mãe e, embalado pelo piano melancólico de Mercury e o baixo de John Deacon, lamenta o ocorrido.

“Mama, just killed a man / Put a gun against his head / Pulled my trigger, now he’s dead / Mama, life had just begun / But now I’ve gone and thrown it all away”.

O que vem a seguir, porém, quebra com todas a expectativas criadas na primeira parte (“guaranteed to blow your mind, anytime!”). Depois de um solo de guitarra com a marca e a qualidade característica de Brian May, o personagem desce ao inferno adornado por uma forma que brinca com elementos da ópera, elevando a dramaticidade a níveis inimagináveis. Repleto de referências líricas (ScaramoucheFigaroBismillah), esse talvez seja trecho mais emblemático de Bohemian Rhapsody, com seus vocais extremamente elaborados.

O baterista Roger Taylor já declarou que a ideia era criar uma poderosa muralha vocal, combinando as características de cada um dos integrantes. Segundo ele: “Brian podia alcançar notas muito baixas, Freddie tinha uma voz poderosa nas notas médias, e eu era bom com as notas altas.” O efeito alcançado por essa alquimia vocal é algo quase mágico e sem precedentes no âmbito da música popular. Até hoje me arrepio ao escutar essa parte de Bohemian Rhapsody que – quarenta anos depois – ainda preserva toda sua força e originalidade.

“Oh mama mia, mama mia, mama mia let me go / Beelzebub has a devil put aside for me / For me / FOR MEEEEEEEeeeeeeee”! Com esses versos Freddie Mercury invoca novamente os dedos endiabrados de May e de repente somos jogados no meio de um hard rock furioso, naquilo que a banda sabia fazer de melhor. O riff tocado por May nessa parte também foi criado por Mercury e ajuda a expressar a raiva do personagem que começa a vociferar frases agressivas para alguém que não conseguimos identificar:         

“So you think / You can stone me and spit in my eye / So you think you can love me / And leave me to die / Oh baby, can’t do this to me baby / Just gotta get out / Just gotta get right outta here”!

Toda aquela ira, no entanto, não dura muito e a música retorna ao clima do início, com o eu lírico de Mercury se resignando (acompanhado de arpejos de piano em tons tristes) e repetindo que nada realmente importa. Bohemian Rhapsody termina nessa atmosfera pessimista, encerrando a jornada emocional do atormentado personagem sem oferecer a ele nenhuma possibilidade de redenção.    

O fato de Freddie Mercury nunca ter se disposto a explicar a letra, fez com que surgissem inúmeras especulações a respeito do seu significado. Porém, não resta dúvidas de que o músico colocou muito de sua vivencia pessoal na obra. Bohemian Rhapsody foi a maneira que Mercury encontrou de re-significar suas inseguranças e traumas, e todos nós deveríamos agradecer por ele ter compartilhado isso conosco.          

“Anyway the wind blows…”

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