Black Alien e as drogas: Quando o hip hop ensina

Black Alien e as drogas: O Hip Hop Deve ensinar a correr das armadilhas, uma cultura que pode e deve auxiliar na educação dos nossos jovens

Quando do lançamento de Babylon By Gus Vol.2 : No princípio era o verdo (2015), eu escrevia que aquele disco era o maior acontecimento da música brasileira. Passados quase quatro anos, reanalisando essa afirmação, só podemos ter uma conclusão: acertamos nessa. Black Alien é certamente um dos maiores artistas brasileiros, e com toda certeza uma das figuras mais importantes para a construção do hip hop nacional. Não seria exagero dizer que sua permanência entre nós, sua sobrevivência física e sobretudo sua mais recente produção artística é uma conquista coletiva, apesar de ser um esforço apenas individual.

Sua caminhada é daquelas que eu gostaria de ter agora 17 anos (sem 38), e entrar em contato com Black Alien & Speed, para perceber o quanto o que eles faziam nos anos 90 do século passado é insuperável. Ou ainda, conhecer sua participação no Planet Hemp e ter a certeza de que estava entrando em contato com um dos 5 melhores mc’s da história do rap brasileiro, obviamente na opinião desse que vos escreve, mas sem passar da oitava posição, ok? Esses anos de loucuras e de muito avanço artístico do rapper que se firmou no cenário nacional, lhe custou um problema que vitima milhões de pessoas ao redor do mundo. O artista carioca hoje está pleno em seu novo ethos de se manter limpo das drogas.

O fato de Black Alien estar em constante luta hoje contra a dependência química e estar inteiro produzindo (com a excelência de sempre) não seduz os aspectos mercadológicos, mas deveria nos instruir sobre possibilidades de pensar a questão das drogas entre nossos jovens de modo a não posarmos através de um frágil e hipócrita moralismo. Não deveríamos diante desse problema posar como “pais” ou como tiras diante dessas questões, utilizando argumentos vazios de sentido, e muitas vezes vazios mesmo de informação.

Passadas décadas de guerras às drogas, hoje já é possível pensar fora das informações mentirosas que durante esse mesmo período induziu as sociedades a demonizar as drogas. Entender os diversos fatores que levaram a essa guerra e como nós negros somos as maiores vítimas desse combate, e mais do que isso, como essa estratégia está ligada ao racismo, encarcerando e matando milhôes dos nossos jovens. Ao mesmo tempo, um das questões que aqui podemos pensar é a falácia de que entrar no mundo das drogas é um caminho sem volta. Sabemos que essa entrada, sua permanência e a morte ou a sobrevivência está plenamente ligada a cor da pele e a condição financeira.  

No rap o aspecto da verdade daquilo que se vive é um ponto de corte diante das questões que são transformadas em rimas, e estamos aqui diante de um dos grandes mestres da composição nacional. E nesse sentido, o “testemunho” poético de Black Alien, assim como a sua vida, se erigem como um verdadeiro monumento contra diversas falácias que giram em torno da questão das drogas. Um dos vários aspectos é o fato de sua sobrevivência nessa luta, e de como hoje ele vive cada vez mais inteiro nos seus novos propósitos, no seu novo modo de vida. Guerreando contra a dependência química, mas também recebendo ajuda especializada, o rapper está vivo e forte.  

Carl Hart, neurocientista e pensador norte americano que trata  a questões das drogas e o racismo!
Carl Hart, neurocientista e pensador norte americano que trata a questões das drogas e o racismo!

Em seu disco clássico Babylon By Gus Vol. 1: O ano do Macaco (2004), podemos constatar com tranquilidade o quanto tudo aquilo que genialmente estava colocado ali era fruto de sua experiência e do seu modo de vida. Sejam experiências frutos de sua forte formação intelectual, seja des suas vivência, seja das doideiras da gravação, e por fim mas o principal: de seu talento abismal. Até então, uma caminhada de um homem de 32 anos ali naquele momento, onde a genialidade estava totalmente ligada a uma vida kamikaze, doideiras em profusão e um sucesso arrebatador da época do Planet Hemp. E toda essa caminhada, nos leva a uma outra questão fundamental: hoje Black Alien não posa como um moralista e ou como um proibicionista. 

Depois disso um hiato de 11 anos, onde perdemos todos, nós e ele, até a volta redentora e dadivosa em seu último disco. Realmente iluminando o mundo com seu exemplo, o artista carioca, chegava entre humor e muitas ideias de como ele “viveu”. Um disco coeso e forte para caralho em todas as mensagens que muitos poderiam ver como uma mensagem careta. Mas é exatamente a caretice do Black Alien que nos ensina a manter uma mente hardcore, a nos embriagar com um copo d’água como Henry Miller também desejou. Não se trataria de repreender a nova geração que fuma ganja e mete lean em sua sprite, sabemos o quanto a represão é falha. Mas, utilizar a ars nova do mc para refletir sobre os problemas que nos afligem, que assediam nossos jovens e a nós mesmos. Sobretudo, manter um dialógo que a simples reprimenda anula, que quando nós mantemos uma postura de pura e simples negação, afasta. 

A onda trap reacendeu a questão do abuso de drogas em nosso meio, e pelo fato desse sub gênero não dialogar com a cultura hip hop, há uma impossibilidade de comunicação que é preciso romper. O consumo de lean (codeína) entre a juventude negra cresce, e é exaltada entre os rappers que são adeptos dessa forma de se fazer rap. Junte-se a isso, a imensa epidemia de depressão que assola nossas sociedades ocidentais, e temos um grande contexto de doença mental e fragilidades que assolam a comunidade negra que não é fácil de deixar de lado. Ensinar nossas crianças a combater uma solidão cada vez maior, na medida em que cresce sua comunicabilidade, a partir para luta contra uma certa amplificação de dores que são absolvidas por uma presença online de informações que estão na rede.

Deborah Small ativista do movimento negro americano , formada em direito e políticas públicas
Deborah Small ativista do movimento negro americano , formada em direito e políticas públicas

Uma juventude negra e pobre, que não se prepara para o contato com a rede mundial de computadores e com o calendoscópio de informaçãoes que lhes assedia diuturnamente. Em sua nova faceta musical Black Aliem tem contribuído bastante para pensarmos e esticarmos o assunto de modo a abarcarmos o máximo possível que essas questões nos levantam. E nesse aspecto o Hip Hop possui como sempre prevalência entre nós de modo a nos auxiliar na comunicação com nossos jovens. Tornando-os capazes de refletir sobre suas condutas através do conhecimento produzido pelo rap. A música e a vida de Black Alien pulsa nessas questões, nos impulsiona nessa direção e nos municia para uma postura que realmente seja capaz de tratar dessas questões. 

Em Sangue de Free (2017) a excelência de sua lírica se fez presente nesse clipe simples,  mas que possui punchlines imbatíveis contra os comportamentos que fazem com que entendamos que não é com a repressão às drogas que milagrosamente acabarão esses problemas. Ele mostra com tranquilidade e agressividade de um pensamento super sagaz, que o sangue de “free-styleiro” precisa buscar realmente um estilo livre, mesmo dos padrões que se querem fora do padrão. Talvez as suas mensagens não possuam aderência sobre os mais novos, que precisam dessas afirmações bobas rompendo com as normas sociais e familiares para se afirmar como adultos. Mas certamente, Sangue de Free consegue demonstrar com serenidade que uma mente bem informada e limpa é totalmente irresistível. Mas o mais importante, não se coloca em momento algum como uma reprimenda, servindo plenamente ao diálogo. Pois falemos a verdade, é triste e chato, quando nada falso ouvir o testemunho de ex-viciados, que muitas vezes gritam mais pra si mesmos do que para aqueles que querem convencer dos malefícios que as drogas lhes causaram.  Black Alien por outro lado, enseja uma linha de pensamento que vai demonstrando punchline atrás de punchline, o quanto ele perdeu, e o quanto ganhou, para além do bem e do mal.

Na semana passada o rapper lançou um novo video clipe, e nesse ínterim outros lançamentos chegaram nesse mercado competitivo que é o rap e que faz com que elementos fúteis extramusicais se tornem muitas vezes o principal para que se vejam os trabalhos, esquecendo das urgências e mesmo da qualidade musical. Hoje por acaso cai nesse vídeo de um dos episódios do Rael Convida

No vídeo, é bacana ver como Black Alien está além de tudo isso, muito ligeiro com as questões do mercado da matrix que faz das aparências a verdade. Quem leva a sério alguém que faz arte e tira foto com uma banana na mão? Qual jovem bota fé num coroa que só bebe água? Foi isso que nos chamou atenção, o fato dessa nova fase do novo Black Alien, um artista que na medida em que mudou de vida, necessariamente tem nos ensinado como isso não é vendável. E ao mesmo tempo não se cansa de fazer uma arte que pode nos levar a pensar nessa questão importante, que acima tentamos dar alguns contornos.

Em Que nem o meu cachorro (2019), temos contato com uma reflexão poeticamente, numa chave mezzo melancólica mezzo afirmativa, com as criticas servindo de guia para a compressão do sentido da música e do audiovisual.  A certa altura, Black Alien afirma que: “Pois a zona de conflito é sua zona de conforto“, pensemos um pouco nessa frase.

Se tomarmos a cultura hip hop como uma cultura de combate e rompimento das regras sociais e políticas, percebemos como muitas vezes o abuso no uso de drogas pode parecer revolucionário. No entanto, uma breve busca nos mostrará como mais do que signo de rebeldia, as drogas nas comunidades negras são colocadas como elemento de controle da nossa população. Ao mesmo tempo, se nos ancorarmos no vídeo clipe perceberemos como a ausência de casas de terapia e tratamento públicas é uma outra forma de exclusão.

Homens e mulheres negras de periferia e pobres em geral já possuem dentro de si todos os conflitos que a nossa sociedade cria e fomenta. No entanto, a saída para esses problemas não está à disposição de uma população que não é assistida pelo estado, nem pela saúde e nem pela educação. E é nesse aspecto que o rap e o hip hop podem nos auxiliar a educar e tornar saudáveis mesmo com o uso de drogas, os nossos jovens.

No século XXI, existem diversas opções poéticas, cinetíficas, artísticas que podem nos auxiliar a levantar problemas sobre a questão das drogas em nossas comunidades. Nos cabe levantar as questões e saber problematizar com responsabilidade e de modo sério e embasado. Existem outros tantos clássicos do rap nacional que tratam com profundidade o problema, Black Alien é um exemplo vivo, e damos graças a isso.Ainda em 97 o maior manual de instrução dos jovens negros desse país me direcionou a esse texto hoje em 2019, e ele dizia:

“Mas quem sou eu pra falar de quem cheira ou quem fuma, nem dá, nunca te dei porra nenhuma”

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