Bedetti, a música como um fim!

Felipe Bedetti potencializa em si a vontade de fazer música pela música!

Bedetti, a música como um fim!

Há poucos músicos que veem a música como um fim. O lugar comum são músicos que fazem da música um meio. O fim a ser alcançado através da música dependerá da personalidade do músico. Geralmente servem-se da música como instrumento para alcançar fama, satisfazer seu ego, ostentar a imagem de artista, enriquecer, alimentar a vaidade, se regozijar com os elogios que lhes são feitos, sejam sinceros ou não, merecidos ou não, e por aí se vai. Alguns se contentam com frivolidades ainda menos expressivas, basta-lhes, por exemplo, posar para fotos com pessoas que porventura estiveram jantando no restaurante onde se apresentaram e postar no facebook. Basta-lhes ser o músico da cidade e manter viva a ilusão de que fazem música em seu sentido mais pleno. 

Paradoxalmente esses anseios egoístas e mesquinhos podem ser alcançados quando o músico faz da música um fim. A diferença é que tais anseios poderão ser a conseqüência, nunca o objetivo. Ao encarar a música como aquilo que dá significado à sua existência, o músico pensa, deseja, realiza cada momento de sua vida como se executasse uma melodia. Esse modo de encarar a própria vida torna sua música particular componente da música como um todo, faz dela algo maior que si mesmo, colocando-o entre os grandes. Esse movimento perpetrado pela busca da excelência musical estabelece uma ética, mesmo que inconscientemente, trazendo à luz algo até então escondido nas brumas. Vem ao mundo uma nova melodia, uma nova harmonia, um novo som, até então percebido apenas pelos ouvidos daquele que os tornou perceptíveis aos demais. Estando neste caminho, o músico tem condições de fazer o que quiser, inclusive alimentar sua vaidade, seu ego, caso tenha este desejo. Perde-se a chance de realizar toda sua potência aquele que faz da sua arte um meio e não um fim. 

Felipe Bedetti está entre estes poucos  músicos que fazem da música um fim. Isso nota-se ao vê-lo tocar, sua performance espontânea e mesmo inocente, faz aflorar a sensibilidade de quem o ouve com seriedade e respeito. Na verdade seu jeito de tratar a música faz seu espectador, seu ouvinte respeitá-lo e  levá-lo a sério. Somos arrebatados pela sua musicalidade! Claro, desde que o interesse dos espectadores também seja a música e não um prato de comida acompanhado de coca cola. Este é um problema grave para os músicos que tocam em barzinhos ou restaurantes. Terem que lidar com pessoas que estão ali para jantar com suas famílias e não pela música. Quando Felipe Bedetti tocou em Ponte Nova no dia 12 de fevereiro eram poucos o que ali estavam. Porém, tratavam-se de pessoas que compareceram para ouvi-lo. 

Em Ponte Nova os lugares disponíveis para os músicos locais se apresentarem são bares e restaurantes cujos clientes estão interessados exclusivamente em jantar com suas famílias, são casais e amigos querendo passar o tempo juntos papeando. Algumas vezes querendo assistir UFC, outras o jogo do seu time. Felipe chamou minha atenção justamente por anunciar sua apresentação num bar que não apresenta esse formato e está fora do circuito de bares e restaurantes com música ao vivo da cidade. Sua apresentação ganhou muito por acontecer num local com estas características. Isso impediu que Felipe passasse pelo constrangimento de pedirem para que ele tocasse mais baixo para não atrapalhar as conversas das pessoas nas mesas. Ao mesmo tempo permitiu que aqueles que formavam sua platéia pudessem vê-lo em ação em toda sua potência. 

Nós que comparecemos ao bar para ouvi-lo fomos recompensados por contarmos com um Felipe livre para fazer seu show. Ninguém para lhe dizer como, quanto tempo ou em que altura tocar. O clima descompromissado estabelecido naquele ambiente nos permitiu desfrutar de uma apresentação musical intensa! Felipe tocou das 21:00 horas até 01:00, fazendo apenas um intervalo para cumprimentar sua platéia. Impressionou a vontade de tocar do garoto, que interagia com as pessoas, perguntando-lhes atenciosamente qual música queriam que ele tocasse, desculpando-se por um momento ou outro de exaltação, como se aquilo não tornasse sua performance ainda mais cativante!

Foi surpreendente, ao mesmo tempo gratificante e prazeroso ver alguém tocar daquela maneira! Uma situação completamente fora da monotonia das apresentações musicais que caracterizam os “shows” de barzinhos. A performance de Felipe naquela noite gerou o sentimento, certa intuição de estarmos diante de algo raro, novo, que apenas se confirmará ou não daqui alguns anos. Fato é que Felipe revelou conter em si algo que o diferencia dos demais compositores e músicos seus conterrâneos e contemporâneos. 

Contudo, o mais importante foi a experiência compartilhada naquela noite.  Felipe tocou músicas de praticamente todos os membros do Clube da Esquina e algumas canções de Elomar. Sua ligação com essas escolas é tão íntima que toca as músicas sem a necessidade de pasta com cifras e letras. Sem falar que sua apresentação se fez através de um repertório de músicas em sua maioria não pertencentes ao mainstream do acervo de seus compositores. Emocionou ao tocar duas de suas composições Ilha e Mar, cuja letra foi escrita por Marília Abduani, que pode ser ouvida clicando aqui a outra, Sertão do Meu Pai, letra do campinense Zé Luiz Rodovalho. 

Num bar, tão raro quanto ouvir alguém tocando suas próprias composições num é ouvir alguém tocar músicas de Elomar. Nossos ouvidos estão acostumados com Ana Carolina, Seu Jorge e genéricos nessas situações. Difícil esperar que um garoto de 16 anos se interesse por tocar músicas dos membros do Clube da Esquina, que dizer de Elomar ou suas próprias. Mais surpreendente é concluir que mesmo que decida tocar músicas de Ana Carolina e Seu Jorge, Felipe Bedetti chamaria a atenção de modo positivo. Isso porque Felipe Bedetti toca e soa como Felipe Bedetti seja qual for a música que se disponha a tocar. Quero dizer com isso, que ele não faz como um músico de barzinho que toca uma música reproduzindo o arranjo original, ou seja, Felipe não toca Lô Borges como Lô Borges, Beto Guedes como Beto Guedes, João Bosco como João Bosco, etc. Ele toca as músicas desses compositores a sua maneira, adaptando as músicas ao seu estilo próprio. Isso chama atenção, mostra sua originalidade e preocupação em construir seu próprio DNA musical!

Fica claro haver uma conexão muito forte entre Felipe e a música, o que deixa evidente ser, talvez, mais importante para ele fazer música do que respirar. As expressões faciais surgidas a cada nota cantada, a cada batida nas cordas do violão, a cada dedilhado, a cada improviso, levam-nos a sentir junto com Felipe as emoções geradas e experienciadas por ele.  O modo intenso, por vezes agressivo, com que toca o violão, revela o fluxo de emoções que atravessa o músico durante sua apresentação. Não há como ficar indiferente a ele, não há como se interessar mais por um prato de comida e uma garrafa de coca cola quando a música se faz presente em toda sua vivacidade!

Após o show de Felipe Bedetti, tivemos a prova final do amor do garoto pela música. Confesso ter sido algo surpreendente saber que um garoto de 16 anos bota o pé na estrada, literalmente, carregando sozinho sua caixa de som, mesa de mixagem, case do violão, mais a bagagem com suas coisas de uso pessoal num ônibus comercial. Após o show vimos ele deixar o bar apinhado com todas estas coisas para se dirigir ao hotel onde estava hospedado.

A disposição deste garoto em ir onde for possível apresentar sua música o impede de enxergar adversidades. O que pra pessoas comuns seria motivo pra reclamar, desistir e continuar em sua zona de conforto, o que no caso de Felipe representaria continuar tocando apenas em Abre Campo, cidade onde reside, nem é levado em consideração por ele. Desculpe minha insistência neste ponto, mas imaginem o que é um garoto de 16 anos rodar por várias cidades de buzão, de buzão!!! levando uma caixa de som, violão, bagagem, mesa de mixagem! Cá entre nós, isso desconcerta a cabeça de qualquer um! Somos colocados diante da Música, podemos percebê-la como sentimento, senti-la se manifestar como elemento transcendental, enfim, ela nos é apresentada como algo imanente à própria existência.

Finalmente precisamos destacar o poder criador de Bedetti. Mais que executar, cantar ou tocar músicas, Bedetti procurar criar. Ele cria novos modos de tocar as músicas dos compositores que admira, novos modos de compôr as suas próprias, seguindo pela estrada atrás dos lugares onde sua música possa se fazer presente. Para onde essa estrada o levará não sabemos, sua caminhada apenas começou, o tempo dirá, as escolhas que Felipe fará nos dirão. Mas a semente foi lançada, quem ouviu sua música não tem dúvidas de que ela irá germinar e florescer!

Felipe Bedetti nas redes sociais: facebook, youtube

Abaixo o canal de Felipe Bedetti no soundcloud. 

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